- Peço-te desculpas, irmão. Agi precipitadamente.
Foi assim que Checarion abriu diálogo com Caliel,
assim que adentrou o laboratório. O ser celeste chegou ao local minutos depois
de Margô e os outros aventureiros retornarem do Inferno.
- Uau! Quem é esse? – quis saber Beterraba.
- Pelas asas, outro anjo, né? – chutou Celeste.
- Na verdade, senhoritas, sou um arcanjo. Minhas desculpas por chegar assim tão de repente, sem apresentações formais –
respondeu Checarion, que logo em seguida explicou a todos quem era, de onde
vinha e o que fazia por lá.
- Fiz questão de rever Caliel antes de retornar ao
Paraíso. Em verdade, além de minhas desculpas, vim convidar meu irmão a voltar
comigo para lá – complementou o arcanjo.
Caliel sorriu satisfeito com o convite. Porém,
guardava uma dúvida fundamental.
- O que fez mudares de opinião sobre mim?
Compreendi que descobriste adulteração em meu relatório. Contudo, como se deu
tal averiguação?
Checarion fechou os olhos por um instante, respirou
profundo e tornou a falar.
- Verifiquei antigos relatórios teus. Analisei teu
método de narrar os fatos, as formas que usas as palavras, a maneira com que te
expressas. Assim, constatei que o relatório responsável por tua punição estava
diferente dos demais: era um tanto breve, pobre e truncado, incompatível com as
minúcias com que tu descrevias até as missões mais triviais.
O anjo da guarda ainda não estava convencido. Por
isso, Checarion continuou a explicação.
- Também analisei o relato de outros anjos da
guarda cujas missões da época de alguma forma se relacionaram com as tuas. Foi
então que encontrei a narrativa do anjo Bariel, protetor de um humano chamado
Dome Vorpa.
- Já ouvi esse nome – comentou Baldo.
- Sim! – exclamou Margô.
- É o bruxo que serve o Senhor das Trevas –
reconheceu Caliel – Foi ele que capturou a alma de meu protegido.
Checarion retomou a palavra.
- Exato. Apesar de ter a alma tão corrompida a
ponto de ganhar livre acesso ao Inferno mesmo antes de falecer, Dome Vorpa é um
humano e, como tal, é guardado por um anjo. O relato de Bariel conta
detalhadamente como o protegido dele atuou para adulterar teu relatório,
Caliel; intento que levou à frente mesmo depois dos insistentes alertas e
sinais de nosso irmão.
- Bariel é nobre. Tenho certeza de que fez tudo o
que estava em seu alcance – frisou Caliel.
- Conta! Conta! Como foi que esse cara teve acesso
ao relatório de um anjo da guarda? – afobou-se Celeste, ansiosa por saber toda
história.
Mais uma vez, Checarion falou.
- Segundo o relatório de Bariel, o bico de pena
que tu usas para escrever, Caliel, foi trocado por Dome Vorpa por um
instrumento idêntico, porém imerso em magia negra de persuasão. Tal artimanha
ocorreu em uma de tuas incursões ao Inferno, local em que teus poderes -- e os
de qualquer outro ser celestial de menor hierarquia – ficam reduzidos.
Caliel retrucou.
- De que forma? Tomei todos os cuidados para não
ser descoberto. Agi às escondidas!
- Por causa de tua natureza de vigilante, tu
estavas tão preocupado em resgatar Rui Rico que não protegeu a si mesmo de
acordo, apesar de crer tê-lo feito. Ao escreveres teu relatório, a pena
amaldiçoada confundiu teu raciocínio, escreveu trechos sem que tu percebesses e
suprimiu outros que tu já registraras.
- Não é possível! – espantou-se o anjo da guarda.
- Assim que a investigação foi reaberta,
encontramos o apetrecho infernal entre teus pertences – complementou o arcanjo
– Eis o perigo de circular pelas galerias das trevas.
Todos ficaram calados por um bom tempo. Margô e os
amigos de laboratório, humanos que são, não sabiam o que dizer àqueles dois
seres tão superiores. Caliel perguntava-se em segredo em que momento e como
fora ludibriado em perceber...
Coube a Checarion quebrar o silêncio.
- Vamos embora agora?
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