1. BOM DIA, DOUTORA!

     Margô acordou, mas a vontade era de ainda continuar na cama. Estava frio, os vidros das janelas embaçados. Por baixo da coberta estava gostoso, o sonho era bom. Ela era criança e brincava com sua cachorrinha, Pulga, pretinha inteira. A mesma que anos depois morreu atropelada. Mas, esta parte, Margô não sonhou. Acordou porque sempre acordava às sete e meia da manhã, nem precisava de despertador. Sua cabeça já sabia o horário de cor e mandava um aviso para todo o corpo: está na hora de levantar. E foi o que ela fez.
     - Mais um dia... Vamos trabalhar!
    Foi para o banheiro, olhou-se no espelho. A mesma cara de sempre: o nariz grande, os olhos verdes esbugalhados, a testa comprida e os cabelos vermelhos despenteados. Sorriu ao se ver assim, parecendo uma bruxa. Tinha os dentes bonitos, branquinhos e alinhados.
     - Nada que um bom banho não resolva.

    Lavou-se, enxugou-se, escovou bem os dentes e passou perfume, infestando o banheiro e o quarto com um cheiro doce, carregado. Quando Margô abria a porta do quarto, no andar de baixo, todos sabiam pelo nariz que ela estava pronta para descer.
     - Lá vem ela, preparem-se!
     Dito e feito. Foi o tempo de ela colocar uma muda de roupa e jogar por cima o jaleco branco e nhéeee, a porta barulhenta do quarto se abriu. Instantes depois, toc toc toc, era ela descendo a escada, cheia de pose, com o peito estufado de tanta confiança em si. No último degrau, Sorondo esperava-a com uma xícara de café na bandeja.
     - Bom dia, doutora - disse o homem, com uma voz vinda do fundo da garganta. Belos sapatos.
     Margô sorriu. Sempre usava sapatos vermelhos. Dizia que era para combinar com os cabelos.
     - Bom dia, meu caro. Obrigada pelo elogio, são os seus olhos.