13. OS IRMÃOS DE SANGUE

     Sanguinolência morava no número 13 da estrada 13 de Maio. Sua casa tinha 13 cômodos, seu cachorro tinha 13 anos e ele pagava o 13º salário a todos os seus 13 funcionários. No exato momento em que Margô desejava dormir, ele desmembrava um bezerrinho que encontrara mugindo perdido num sítio por perto.
     Ao seu lado, outros seis animais abatidos, postos um sobre o outro, manchavam o chão do abatedouro com uma poça vermelha cercada de moscas. A meta era moer aquela meia dúzia até o pôr do sol, ensacar a carne e revender o produto na manhã do dia seguinte.
     Enquanto isso, Sanguinolência caçula, o irmão apaixonado, estava sentado no beiral da janela do quarto e observava abobalhado uma flor que desabrochava na ponta de um galho de árvore. Estava com um meio-sorriso no rosto, as pálpebras baixas e suspirava.
    Boas lembranças rodopiavam em sua mente. Lindas imagens massageavam seu cérebro. Melodias tranquilas, entoadas por passarinhos virgens, harmonizavam as tensões e lhe davam calafrios. E quando o amor era tanto, de não caber no peito, ele suspirava mais uma vez e dizia alto o nome da amada.
      - Severina!
     Severina morava longe, do outro lado do rio. Tinha os cabelos pretos como a outra asa da graúna, os olhos grandes e verdes como duas azeitonas suculentas, os lábios carnudos e rosados feitos qualquer coisa carnuda e rosada. Era um pouco gordinha, mas Sanguinolência caçula achava-a um pitel. E não só ele. A moça realmente chamava a atenção por onde passava chacoalhando o vestido.
     - Pena ela ser casada! – soltou em voz alta o apaixonado, logo após outro suspiro...
   Pois é. Por isso, o homem sofria. Como revelar todo este amor imenso? Como transformar este sentimento em realidade? Como viver plenamente se a outra metade já tem sua metade? Oh céus! O caçula desejava que um raio partisse-lhe a cabeça!
    O irmão, contudo, não queria dilemas. Desde que ficara doente de amor, o outro parara completamente de produzir... Inaceitável! Afinal, a demanda crescia a olhos vistos e os clientes estrangeiros pagavam muito bem. Foi martelando isso na cabeça que ele abriu em fúria a porta do quarto do irmão.
     BAM!
     O caçula deu um pulo, desequilibrou-se e caiu do lado de fora. Quando tentava levantar-se, escorando no beiral, deparou-se com o irmão, de punhos cerrados e olhos vermelhos de tanta raiva.
    - Já estou indo, não fique bravo, por favor. Já estou indo, olha só, já estou voltando ao trabalho. Vamos lá, produzir. Vamos!
    O velho Sanguinolência, então, pegou o irmão pelo colarinho e o puxou para dentro num só impulso. O outro começou a tremer e as pernas bambas não se aguentaram quando ele foi posto de volta ao chão.
     - Já estou levantando, não fique nervoso, olha só. Vamos lá, hora de trabalhar, hora de trabalhar, olha só!
   Falar é fácil. Cumprir, não foi possível. Quando o caçula estava prestes a arrancar a cabeça de uma pombinha assustada, ele encheu-se de compaixão pelo bicho, abriu a janela do abatedouro e deixou-a partir.
    Teve também de fazer o mesmo, correndo, pois ao ver a cena, o irmão atirou uma faca que, por pouco, não dividiu o caçula ao meio. Já que não prestava para trabalhar, talvez servisse como alimento.

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