10. CORAÇÃO SOLITÁRIO

     Margô não puxou a alavanca. Estava tensa e não queria que os outros notassem seu braço tremendo. Pediu que Sorondo abrisse a porta; ele atendeu de pronto.
     - É aqui o laboratório da Margô – disse uma voz feminina esganiçada. O alívio foi geral. A imaginação dos seis mandou embora imediatamente a imagem terrível do gigante de chapéu largo.
      - Sim, senhora – respondeu Sorondo. O que deseja?
    A mulher não respondeu... Foi logo abrindo espaço e espichando o pescoço para dentro. O que se viu foram os mais profundos fundos de garrafa de todos os tempos, tão grossos que não se viam os olhos daquele rosto.
   Movia aceleradamente a cabeça, aos soquinhos, como um passarinho. Coisa muito útil, pois era observadora ao extremo. No momento em que entrou no laboratório, por exemplo, 15 pequenas coisas chamaram-lhe a atenção instantaneamente.
    Margô, já esquecida do cliente que vinha lhe trazendo problemas, recepcionou a mulher com toda simpatia. Pegou-a pelo braço, apresentou-lhe a equipe, perguntou-lhe o nome – chamava-se Bromeja – e serviu cafezinho.
      - Não gosto. Quero água e obrigada – respondeu a figura.
    Ela então se encostou à mesa de Beterraba, fungou, limpou a sujeirinha da garganta e contou a sua história.
    - Vocês não sabem, mas poderiam saber. Na verdade vão, porque só agora vou dizer. Eu caminhei muitos quilômetros, tantos que a sola do meu sapado gastou. Pois bem. Fiz tudo isso para encontrar Margô. Sua fama é grande e chegou a mim por meio de um vizinho. Um vizinho chamado Dorotino.
     Margô associou imediatamente a pessoa ao nome. Dorotino era um antigo cliente. Já encomendara umas 10 ou 12 fórmulas ao laboratório. Prisão de frente, dores na ponta dos dedos, problemas em encontrar documentos, falta de direção para se chegar a determinado destino... Para muita coisa o homem recorreu à doutora.
     - Pois bem. Dorotino me falou que você era boa. E eu estou precisando justamente disso: uma pessoa boa.
      - Obrigada, lembranças ao seu vizinho. Lembro-me bem dele e espero que tenha encontrado o caminho. Mas, dona Bromeja, o que a senhora deseja da gente?, perguntou Margô.
      A mulher ficou inquieta. Tirou os óculos e limpou na borda do vestido. Coçou o ouvido, olhou para todos os 360º possíveis, tossiu, fungou, ficou cabisbaixa e, só depois de um longo intervalo, tomou coragem, levantou devagar o rosto e disse, sorrindo amarelo.
     - E-eu desejo... Um namorado.

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