14. A VIAGEM DE MARGÔ

     - Isso mesmo, Margô... Ela é uma impostora! – gritou Celeste.
     Todos olhavam para Bromeja. Somente Sorondo continuou a fazer o que estava fazendo, na outra sala.
     - Pois, você pode me dizer porquê? – perguntou a doutora.
   Celeste fez cara de interrogação. Não sabia exatamente o motivo. Sentia, contudo, que aquela coincidência envolvendo amores e desamores lhe cheirava mal. Quando algo está errado, o coração dá o alarde.
     - Margô, ligue os pontos! – tomou a palavra Zé. Primeiro, aparece um lunático querendo detonar o irmão que tanto ama. Em seguida, aparece uma louca querendo um namorado! Amor para cá, amor para lá... Não pode ser!
     A mulher dos cabelos e sapatos vermelhos suspirou demoradamente e mais de uma vez. Depois, fechou os olhos e procurou analisar os fatos conforme os dois funcionários estudavam o assunto. Ficou calada, segurando o queixo, procurando esquecer-se de onde estava. Não esqueceu, não conseguiu analisar os fatos e não achou resposta alguma. Porém, quando abriu os olhos, não estava mais no laboratório.
    Era um cômodo muito branco e silencioso. Dos oito cantos do cubo, uma luz suave irradiava. Margô sentia-se suspensa, os pés tocando tão leve o chão que a sensação era de se pisar nas nuvens.
     Então, um passarinho começou a cantar não se sabe de onde, doce como se tivesse uma flauta transversal na garganta. As notas perfeitas acalmaram o coração confuso da doutora até ela ficar feliz sem perceber, sem se lembrar dos erros que já havia feito e dos erros que já haviam lhe feito. Era a paz, era a morte e o renascimento.
     Aos poucos, o canto do passarinho tomou outra articulação. Do, ré, mi, fa, sol, la, si arranjaram-se de forma diferente e, em vez de música, eram agora palavra inteligível.
     - Bom dia, Margô – disse um homem careca dos olhos puxados, muito branco, resplandecendo em luz tão intensa quanto a do quarto. E o que ele dizia não saía do movimento dos lábios. E ela tinha certeza de que ele era um príncipe exótico de um reino encantado.
    - Bom dia, bom dia, bom diiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaaaa! – respondeu a doutora, abrindo os braços e o sorriso. Vamos dançar? – quis saber ela.
      - Vamos – falou de volta o cavalheiro, tomando a mão de Margô e iniciando o primeiro passo da valsa...
     Houve um segundo, um terceiro, quarto, quinto, sexto, incontáveis. A felicidade era plena, extravasada nos giros da dança. Leve, a doutora foi se sentindo leve, sem compromissos, sem responsabilidades, sem funcionários para supervisionar, sem clientes para bajular, sem sentir os pés, sem sentir as pernas, sem o peso dos intestinos, fígado e baço, a ponta dos dedos das mãos formigando e espalhando a sensação ao longo do braço, do pescoço, queixo, bochechas, pálpebras, tudo ficando dormente, amortecido, zen, mó paz! Até o coração deixou de bater.
      Então, BUM!
    A luz explodiu no céu da cabeça e Margô despertou do torpor. Arregalou os olhos e assustou-se. Dançava de braços dados com Bromeja, que estava prestes da dar um beijo nos lábios da doutora.

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