21. A LUZ ABRE CAMINHO

     Imediatamente, todos os funcionários soltaram as facas, que caíram tilintando ao chão. O queixo de cada um deles também veio abaixo. Sanguinolência falara! Ele tinha voz! E, acima de tudo, dissera “por favor”!
   Assim que viu seus homens desarmados, o chefe do abatedouro sentiu um alívio inédito no peito. Parafraseando o ex-ministro, “a paz invadiu o seu coração”. A luz abriu os caminhos de dentro para fora e saiu em um sorriso – que infelizmente ninguém viu, por causa do lenço que ainda tampava-lhe a boca.
    A bondade que pela primeira vez sentia involuntariamente enfraqueceu os músculos de Sanguinolência. Assim, seus dedos afrouxaram-se e pararam de esganar Celeste. A moça estava roxa e prestes a desmaiar quando se viu livre.
     - Você está bem? – quis saber Beterraba que, ao ver a amiga caída ao chão, soltou o braço do feitor e correu de encontro a ela.
     Celeste estava sem forças para falar. A garganta doía muito! Contudo, foi um prazer imenso sentir o ar novamente entrando nos pulmões e clareando a vista que turvava. Para deixar a amiga despreocupada, ela conseguiu balançar a cabeça para cima e para baixo, como quem diz – sim!
     Só então Sanguinolência percebeu as duas próximas aos seus pés. Ao ver o gigante de novo voltando a atenção para ela, Celeste começou a tremer e quis gritar – mas, a voz não saiu.
     - Peço desculpas por ter lhe machucado, jovem. Eu era um, e agora sou outro. E nunca me senti tão bem! – disse Sanguinolência.
    O homem, em seguida, deu dois passos à frente, virou-se aos funcionários e voltou a surpreender. Ele retirou o chapéu de abas largas, abaixou o lenço da boca e mostrou a todos o rosto. Somente os muito íntimos, um dia, já o haviam visto.
    O que se viu não era feio. Porém, era maltratado, repleto de cicatrizes de luta. Ninguém na sala teve a curiosidade de contar, mas, havia exatas 147 delas.
    - Homens, agradeço a lealdade que prestaram a mim ao longo de todos estes anos. Agora, peço que abandonem esta vida de sofrimento e vão para casa. Pagarei a todos, inclusive os atrasos. Este abatedouro será fechado... Para sempre!
    Neste exato momento, o irmão de Sanguinolência entrara na sala, ainda a tempo de presenciar o outro apertando a mão de cada um dos funcionários. Ao vê-lo, o dono do abatedouro foi ao seu encontro e abraçou-o.
   O irmão ficou paralisado. Jamais esperava que aquilo um dia ocorresse. Chegou até a pensar que Sanguinolência pregava-lhe uma peça. Mas, não. Era realmente um abraço genuíno.
      - Irmão, agora eu entendo a força do que você sentia. Seja livre para viver o que lhe convém! Amo você, que é sangue do meu sangue! – falou o grandalhão, emocionado.
     Assim, Sanguinolência dirigia-se ao lado de fora do abatedouro para respirar um pouco de ar puro e fazer as pazes com a natureza - a qual ele dedicou a vida toda a destruir. Quando saía, porém, a imagem do soco que desferiu em Sorondo veio de volta à mente. Seus olhos chegaram a saltar de preocupação.
     Imediatamente, ele correu de volta para seu escritório, pegou o mordomo desmaiado nos braços e disse para Celeste e Beterraba.
     - Vamos levá-lo para casa.
    Meio confusos, meio espantados, meio satisfeitos, todos, então, dirigiram-se para o laboratório. Só depois que viu a trupe indo embora pelo vão da porta foi que Bromeja tomou coragem e saiu do buraco escondido onde se enfiara.

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