2. O LABORATÓRIO

     A sala de Margô não tinha TV, sofá, quadros na parede, nada disso. Era um espaço amplo forrada de armários, mapas, gráficos, potes, figuras geometrias, amostras, recortes de jornal, cronômetros, maçaricos, todos os apetrechos, mais cinco mesas individuais no centro: quatro voltadas para o norte (lado a lado de duas em duas) e uma voltada para o sul – a dela. Assim que chegava, a doutora ligava o computador, arrumava um vãozinho no meio da bagunça para alojar a xícara de café e observava o movimento dos seus quatro fiéis escudeiros. Pois, a sala de Margô não era uma sala, e sim um laboratório de estudos, experimentações e análises – e, não raro, também um hospício.
     A mesa de Margô ficava de frente às outras. Na primeira fileira, sentada à esquerda, estava Celeste. Médica recém formada, vinte e poucos aninhos, lindinha. Mulata, cabelos arrumados para trás, sorriso largo e olhos de doida curiosa. Amava anéis esdrúxulos e pulseiras extravagantes. Tinha um piercing no nariz, outro na língua, um em cada sobrancelha, mais dois em cada orelha, mais um no umbigo e outro num lugar escondido. Tatuagem não tinha nenhuma.
     - Me falaram que dói demais – disse ela um dia, e ninguém entendeu nada.
    Sabia o nome de todas as doenças, desgraças, machucados e perrengues capazes de afetar o ser humano. Porém, ali com Margô, ela era responsável, na maior parte das vezes, por anotar as “sensações”.
    - E a medicina? – perguntou ela, quando foi contratada.
    - Faça o seu trabalho e não haverá mais doenças – respondeu Margô.
   À direita, ainda na fileira da frente, ficava um careca de bigodes loiros e curvos, voltados para cima, nascido num país gelado e com sotaque ainda travando a língua. Chamava-se Zcktrosnitchevsky, mas, de tantas consoantes, resumiram e por lá o conheciam como Zé. Falava pouco, resmungava muito – mas tinha um coração de ouro. Quando Margô perdeu o celular e ficou maluca de tanta raiva, o nobre Zé explorou toda casa depois do expediente e achou o aparelho dentro do freezer da geladeira, quatro horas e vinte e três minutos depois de ter começado a empreitada.
     - Obrigada! – agradeceu Margô, dando-lhe um beijo vermelho na testa.
     - Tchau – respondeu ele, e bateu a porta.
    Era ferreiro experiente, mas lá tinha a obrigação, na maioria das vezes, de dar contraste às “sensações”. Não entendia lá muito que fazia – e Margô achava isso ótimo.

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