4. O VISITANTE INTOLERANTE

     A campainha tocou e Margô puxou a alavanca que ficava sobre sua cabeça e acionava o dispositivo. A porta fez um imenso nhéeee e arreganhou-se. Eram quatro da tarde, o dia estava parado, quente, pouca clientela.
     - Olá, meu caro! – saudou a doutora, como se conhecesse o que chegava desde a infância, mesmo tendo a certeza absoluta de que não fazia a menor ideia de quem era.
    Nunca viu mais gordo. O homem vestia um sobretudo cinza, surrado e suado como se estivesse a caminhar por sete dias. Também usava um chapéu enfiado, de abas largas, sombreando os olhos. Um lenço vermelho tapava-lhe a boca, donde nenhuma palavra retribuindo a saudação foi emitida.
    “É um vilão de faroeste”, pensou Bardo olhando o ser de rabo de olho. Rimo continuou de olhos fechados, indiferente – e isso ainda era um bom sinal.
      - O que deseja? – perguntou Margô, levantando-se e indo em direção à porta.
    O homem caminhou em sentido contrário, passos duros que levantaram poeira e estalaram o assoalho. Parou de frente à doutora. Era pelo menos uns cinco palmos mais alto que ela. Margô esticou o pescoço para cima, na tentativa de vê-lo melhor e sentiu os cabelos da nuca arrepiar. Então, o estranho estendeu uma folha até ela. No centro, com letras tortas, estava escrito:
     “Desejo uma fórmula”.
     - É o que fazemos aqui, pode ter certeza! – respondeu Margô. De qual tipo o senhor precisa?
     Ato contínuo, o desconhecido virou a folha. Do outro lado, outra frase estava escrita à mão:
     “É para o meu irmão”.
     - Ah sim! Para isso, preciso de mais informações – alertou Margô. O que há de errado com ele?
     Mais uma vez, o homem virou a folha. Em vez da frase anterior, outra nova estava grafada no lugar:
     “Ele está apaixonado”.
     - Ora, ora! E isso não é bom? – questionou a doutora, um tanto eufórica.
     "NÃO!!! Tire isso dele!"
    O estranho então amassou com toda raiva deste e dos outros mundos o papel que trazia. As veias do braço e da mão chegaram a saltar. Depois, jogou a bolinha nos pés de Margô, que tremia feito um despertador em pleno serviço. Zé levantou-se e cerrou os punhos. O homem pressentiu o movimento e virou o rosto na direção. Os outros se enfiaram no fundo das cadeiras e Zé decidiu ficar parado.
     Em seguida, do fundo do sobretudo o cliente inoportuno retirou um saco de moedas e entregou a Margô, que precisou segurá-lo com as duas mãos para não o deixar cair. Feito isso, o desconhecido deu meia volta e foi embora, pisando firme, sacodindo a poeira do chão.
    Celeste, Baldo, Beterraba, Zé – e Rimo – olhavam estatelados a patroa. Margô estava paralisada, abraçando o saco de moedas, as pernas bambas e os olhos muito abertos. Depois do susto, o ar ficou leve, mas ninguém se lembrou de respirar. A doutora foi a primeira a retomar atitude e despejou o saco sobre a mesa de Celeste. Eram moedas douradas, cada uma do diâmetro de um olho. Rimo, que já despertara da habitual imobilidade, despertou ainda mais. Do andar de cima, apoiado ao beiral da escada, Sorondo observava a cena e concluiu: “teremos dificuldades”.

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