8. O ALERTA DE SORONDO

     Belo trabalho, pensava Margô. Feito rápido, de maneira objetiva. A equipe nunca estivera tão sintonizada. Estava feliz. Aquela caixinha fechada era o símbolo de tudo isso: dedicação, estudo, parceria e força de vontade!
     - Realmente um belo trabalho! – disse consigo mesma. Baldo foi o único que levantou os olhos dos afazeres. Viu a satisfação da patroa, sorriu e voltou a dissecar com toda delicadeza um dente de alho fedorento. Trabalhava em outra fórmula, bem como o restante dos funcionários, cada qual concentrado em sua mesa.
     Margô passou os olhos em cada um deles. Os quatro em silêncio, Rimo cochilando no ombro esquerdo do dono. Fizeram algo maravilhoso e já estavam absortos em outras tarefas, preocupados com entregas de outros clientes. É como se tivessem matado um dragão e seguissem jornada enfrentando formigas com a mesma dedicação, pensou a doutora, orgulhando-se de si mesma da comparação que acabara de fazer.
     Ela apoiou os cotovelos na mesa, recostou o queixo na palma das mãos e fixou os olhos ao longe. Aos pouquinhos, foi se lembrando de outros tempos, quando não havia aquela casa, o laboratório e funcionários tão dedicados. Na verdade, eram tempos em que não havia mais ninguém - a não ser ela e o mundo.
     Tinha 21 anos, os mesmos cabelos vermelhos encaracolados, um diploma de graduação em Física e uma mochila com 30 kg de bagagem nas costas. Deu um beijo no pai, encheu os olhos de lágrimas e pegou a estrada. A cor dos cabelos lhe deu fogo nas ventas, dizia o pai aos vizinhos, que perguntavam vez ou outra sobre o paradeiro de Margô – que, naquela época, ainda atendia por Maria Teresa.
      - Lembrando do passado, doutora?
     Margô deu um pulinho e piscou os olhos para despertar do torpor. Sorondo descera as escadas feito um gato de meias.
     - Me viu num copo d´água, meu caro? – retrucou ela.
     Não era nada disso.
    - São os hábitos, doutora. Quando está com este sorriso e o olhar distante, sei que boas lembranças navegam por sua cabeça – respondeu Sorondo.
     Margô olhou profundamente os olhos do mordomo. Ele piscou demorado e não desviou o olhar. Era um sinal que ela sabia interpretar.
     - E pelos hábitos também sei que você deseja muito falar comigo, certo?
     Como se fosse um ritual, ele fechou os olhos e reclinou o corpo para frente, como se fosse um japonês.
     - Perfeitamente – disse Sorondo, muito sério.

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