23. SORONDO EXPLICA

     - Preciso consertar isso, Margô! – disse o mordomo, logo ao despertar e conferir que lhe faltavam os quatro dentes da frente.
     A ruiva deu risada da cara de espanto que Sorondo fez e do jeito estranho que a voz dele saiu, meio frouxa, com o ar vazando e sacudindo os lábios.
     Estavam apenas os dois no quarto. Fazia duas horas que Sanguinolência havia adentrado o laboratório carregando-o desacordado. Assim que deixou o mordomo na cama, o gigante retirou-se e aguardava num canto lá embaixo o preparo da fórmula.
      Baldo e o restante da equipe, mais uma vez, trabalharam bem. A bússola que saiu da boca de Rimo foi a base de toda operação. Baldo encontrou o Norte, posicionou todas suas tralhas nesta direção e deu uma porretada no objeto, que se espatifou em mil pedaços.
    Zé recolheu algumas partes que lhe interessaram, acendeu o maçarico e ateou fogo. As pecinhas se retorceram e derreteram. O caldo foi recolhido em um pote, ao qual Baldo adicionou água e uma colher de açúcar. Estava pronta a fórmula.
      Foi a própria Margô que despejou o líquido na boca de Sorondo.
      - Conte até 800 e ele vai despertar – informou Baldo.
      Dito e feito.
     Satisfeitos ao verem o amigo de velha data consciente, os olhos da doutora brilhavam de agradecimento às forças do universo. A boca abriu-se num sorriso cheio de dentes e as bochechas, apagadas, acenderam-se e ficaram quase da cor dos cabelos de Margô.
     Sorondo, fora os dentes a menos e a cara de quem acabou de acordar de um sono profundo, olhava para o próprio quarto um tanto confuso. A ruiva compreendeu o que se passava e gastou 10 minutos contando como ele havia sido levado até lá – e por quem.
    - Ótimo! Então, meu plano deu certo! – falou o homem, tão feliz que não sentiu vergonha de mostrar o sorriso desfalcado.
     - Agora, acho que é o senhor quem me deve explicações – respondeu a doutora – O que você fez com o grandalhão?
    Então, o mordomo ajeitou-se na cama, limpou a garganta e contou. Desde que vira Sanguinolência no laboratório, da primeira vez, sabia que o problema estava com o próprio – e não com seu irmão.
    - Tanta raiva e rancor acumulados em uma só pessoa... Não é natural. O sujeito era um buraco negro ambulante, sedento por arrancar energia donde quer que fosse. Para mim, não foi coincidência Bromeja ter aparecido no laboratório no mesmo dia... Alguém com problemas justamente no sentido inverso, com energia para dar e vender, porém, sem conseguir extravasar isso... Um veio no rastro do outro, mesmo sem terem ideia disso – explicou Sorondo.
     Margô sacudiu a cabeça, dizendo sim. Ela gostava destes papos viajados e não estranhou o ponto de vista do amigo.
     Sorondo então continuou narrando sua aventura. Para ele, juntar positivo e negativo seria a melhor maneira de anular os contrários. Por isso, ele levou – ou melhor, carregou – Bromeja ao abatedouro. A princípio, a intenção era fazer com que ela e ele se beijassem e o amor, assim, fluísse naturalmente de um para o outro...
     - Mas, quando vi a cara de poucos amigos de Sanguinolência, senti que ele poderia destroncar o pescoço da outra, caso ela se aproximasse. Então, eu a beijei e senti ela me transmitindo a energia. Cheguei a ficar tonto – continuou o mordomo.
     - Malandrinho você, hein! E por que ele te socou? Será que ficou com ciúmes? – provocou a doutora.
     - Pode ser! Não havia pensado nisso... Talvez o coração dele já tenha se agitado desde então. Porém, o soco foi única maneira que encontrei para poder beijá-lo.
     - Como assim????? – interrogou muitas vezes Margô.
     - Quando ele me atingiu, aproveitei a chance e dei um beijo na mão de Sanguinolência. E, pelo jeito, este pouquinho de amor que passou de Bromeja para mim e de mim para ele foi suficiente para causar uma transformação na vida do homem!
      Estava explicado.

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