20. APARÊNCIAS ENGANAM

     O Inferno era um lugar sossegado.
     Até demais, pensou Baldo, conhecido por não ser lá dos mais ativos, vejam só. O medo que o quarteto sentiu ao avistar a trilha mal iluminada assim que desembarcou não se justificava. O trajeto era estranho, cheio de curvas, e dava a sensação de que a qualquer momento um troço assustador iria pular na frente do grupo... Mas, depois de mais de meia hora de caminhada, a única coisa que começava a aparecer era o tédio.
     - Parece que estamos andando em uma trilha sem fim! – desabafou Margô.
     Não sei se vocês sabem, mas um caminho sem fim não é nada impossível. Porém, aquele não era o caso. Quem já passou um domingo a tarde sem nada melhor para fazer a não ser zapear de um programa de auditório a outro na TV pode ter uma noção de como o tédio é nocivo. Nosso ânimo, que já não está nos melhores dias, escorre pelos poros e escoa pelo ralo.
     O diabo sabe de cor e salteado tudo o que nos faz mal. Por isso, aquele percurso em que nada de novo ou velho acontecia era de propósito. As almas desregradas que chegavam ao Inferno por aquele caminho, depois de toda uma vida de pecado, perdiam a cada passo a empolgação mundana que porventura ainda carregassem consigo. Imaginem então o quanto sofriam os que ainda estavam vivos e tinham bom coração, caso de Margô e sua trupe!
     Não contei minuto a minuto, mas posso lhes dizer que os quatro aventureiros caminharam pelo menos três horas sem parar antes de caírem esgotados. O primeiro a tombar foi Baldo, que já estava muito cansado por causa dos perrengues pelos quais tinha passado. Passos à frente, foi a vez de Margô. Depois Zé. Por último Rimo, que perdeu a força nas asas e aterrissou de bico no chão irregular do Inferno. O sono veio rápido a todos, como de hábito aos exaustos. E, junto, os sonhos.
     Por encanto, mágica, coincidência ou sei lá o que, os quatro sonharam a mesma coisa. Cada um deles percorria uma trilha tortuosa, parecida com o caminho sobre o qual, agora, dormiam. Porém, era cada um por si. Não estavam juntos, não sabiam aonde iam – estavam mais perdidos do que nunca, com frio e dor.
     Foi então que surgiu, ao mesmo tempo, uma luz no fim do túnel de todos. Ávidos por saber onde estavam, cada um deles partiu em direção à luminescência. Vindos cada um de uma direção, desembocaram os quatro em um mesmo salão oval, com uma fogueira no Centro, quente, confortável e segura.
     O sonho acabou. Ao abrirem os olhos, Baldo, Rimo, Zé e Margô estavam amarrados uns aos outros sobre um feixe alto de madeira, em meio a uma galeria imensa. Em torno, todos os demônios do Inferno riam, aplaudiam, gritavam palavrões e batucavam nas próprias barrigas.
     - Bom dia, humanos nojentos! – berrou o senhor de todas aquelas criaturas, soltando em seguida uma gargalhada apavorante.

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