Caronte
encostou suavemente a proa da canoa em uma praia de areia negra. A galeria
imensa e o lago aberto no meio do esgoto da Cidade haviam ficado para trás. À
frente, tochas enfileiradas à direita e à esquerda dependuradas não se sabe
onde iluminavam um caminho de chão, que avançava ziguezagueando em meio à
escuridão.
-
Eis a entrada do Inferno, mortais – informou solenemente o barqueiro.
A
trupe de Margô desceu da embarcação um pouco sem vontade. O lugar à frente
parecia amedrontador. Não era para menos. Afinal, o grupo estava às portas do
pior dos piores territórios. O ar carregado entrava rasgando as narinas e
pesava nos pulmões. Viram logo nos primeiros passos que não seria nada fácil
caminhar por aquelas terras.
Zé
estava com medo, mas se fez de durão.
-
É melhor do que eu imaginava. Não tem lava, não saem lâminas de fogo pelo chão
e... não vejo capeta nenhum. Vamos! – argumentou o bigodudo.
O
barqueiro gigante, no entanto, adiantou-se e estendeu o remo à frente, transformando
o objeto em uma espécie de cancela, impedindo a passagem. No mesmo instante,
Margô previu a razão de tal atitude.
-
Meu pagamento – Caronte limitou-se a dizer.
-
O que você deseja? – quis saber a doutora.
Se
pudessem ver o rosto de Caronte, encoberto pela sombra do capuz, Margô e seus
amigos teriam percebido o surgimento de duas rodas vermelhas de vergonha nas bochechas
dele. Por isso, em vez de anunciar em aberto o que gostaria como pagamento, ele
se abaixou e sussurrou algo no ouvido da ruiva.
Margô
sorriu e disse.
Em seguida, o barqueiro fez um longo aceno para se despedir de todos,
retornou à canoa e remou devagar em direção à outra margem do lago. Zé, Baldo e
Rimo entreolharam-se, como se perguntassem sem dizer nada o que havia acabado
de ocorrer ali. A doutora não deu sinais de querer se explicar. Eles deram de
ombros - e a jornada prosseguiu.
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