17. PREOCUPAÇÕES E OUTRAS COISAS

     O anjo de Margô estava de olhos fechados, em oração, quando Sorondo apareceu no salão principal, onde Caliel recuperava-se.
     Sem levantar as pálpebras, o ser alado sentiu a presença do outro e identificou as preocupações que levaram o mordomo a largar a louça pela metade e ir procurá-lo. Por isso, adiantou-se.
     - Sossega teu coração, Sorondo. Teus amigos estão bem.
     - Que garantia você me dá? – retrucou logo o mordomo.
    Caliel respirou profundamente. Apesar das dores e pesares que sofria, seu rosto iluminou-se de dentro para fora.
    - Quando a demanda é de fato importante e cumprida com entrega e fé, Deus nos acompanha e nos ampara, onde quer que estejamos, sejam lá quais forem os perigos que se abrem a nossa frente – argumentou o anjo.
    Sorondo, que apesar da discrição, não era de ficar quieto quando julgava ter razão nas coisas, respondeu.
      - E onde estava este mesmo Deus quando você foi expulso por tentar cumprir a mesma missão?
Sequer um músculo da face de Caliel mexeu de lugar.
     - Mesmo um anjo é incapaz de compreender os planos de Deus. Cabe a todos os seres obedecê-los, não só por ser o correto, mas também porque a desobediência também faz parte destes mesmos planos divinos – foi a réplica.
     - Lúcifer e seus comparsas seguiram as vontades de Deus quando se rebelaram? – atacou Sorondo.
     - Sim – resumiu Caliel, sem pestanejar.
    - E, por terem feito justamente o que Deus queria, eles foram punidos e expulsos do Paraíso por este mesmo Deus?
     - Nossas vontades também são as vontades de Deus. Tudo faz parte de uma só coisa. Deus é maior que o conceito que cada um de nós tem de Deus. Nós também somos maiores do que pensamos ser – concluiu o anjo.
     O mordomo coçou a cabeça, fez uma careta e disse, antes de dar meia-volta e seguir à cozinha.
     - É melhor eu terminar de lavar a louça. Se Deus quiser.

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