O anjo de
Margô estava de olhos fechados, em oração, quando Sorondo apareceu no salão
principal, onde Caliel recuperava-se.
Sem levantar as pálpebras, o ser alado sentiu a presença do outro e identificou as
preocupações que levaram o mordomo a largar a louça pela metade e ir
procurá-lo. Por isso, adiantou-se.
- Sossega teu
coração, Sorondo. Teus amigos estão bem.
- Que garantia
você me dá? – retrucou logo o mordomo.
Caliel
respirou profundamente. Apesar das dores e pesares que sofria, seu rosto iluminou-se
de dentro para fora.
- Quando a
demanda é de fato importante e cumprida com entrega e fé, Deus nos acompanha e
nos ampara, onde quer que estejamos, sejam lá quais forem os perigos que se
abrem a nossa frente – argumentou o anjo.
Sorondo, que
apesar da discrição, não era de ficar quieto quando julgava ter razão nas
coisas, respondeu.
- E onde
estava este mesmo Deus quando você foi expulso por tentar cumprir a mesma
missão?
Sequer um
músculo da face de Caliel mexeu de lugar.
- Mesmo um
anjo é incapaz de compreender os planos de Deus. Cabe a todos os seres
obedecê-los, não só por ser o correto, mas também porque a desobediência também
faz parte destes mesmos planos divinos – foi a réplica.
- Lúcifer e
seus comparsas seguiram as vontades de Deus quando se rebelaram? – atacou Sorondo.
- Sim –
resumiu Caliel, sem pestanejar.
- E, por
terem feito justamente o que Deus queria, eles foram punidos e expulsos do Paraíso
por este mesmo Deus?
- Nossas
vontades também são as vontades de Deus. Tudo faz parte de uma só coisa. Deus é
maior que o conceito que cada um de nós tem de Deus. Nós também somos maiores do que pensamos ser – concluiu o anjo.
O mordomo
coçou a cabeça, fez uma careta e disse, antes de dar meia-volta e seguir à
cozinha.
- É melhor eu
terminar de lavar a louça. Se Deus quiser.
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