12. PÉS SUJOS


     Os quatro caminhavam há pelo menos 20 minutos com água suja, esgoto e outras coisas ainda mais fedidas no meio das canelas. Margô agradecia aos céus ter deixado no laboratório seus queridos sapatos vermelhos, que naquela altura já teriam se dissolvido, tamanha a acidez daquela sopa líquida nojenta em que era obrigada a pisar. 
     Nos pés, a doutora calçava dois rinocerônticos coturnos, que não deixavam nada de ruim entrar em contato com a pele. Baldo e Zé também trajavam pares semelhantes. Ainda assim, não era nada bom ouvir o remelexo da água grossa à medida que avançavam. A sujeira era tanta que não dava para se ver o fundo - e a imaginação parece escolher só os piores pensamentos quando a gente já está em um ambiente que não é dos melhores.
     Além disso, é preciso lembrar que nas entranhas dos esgotos não há luz. É tudo um breu, espantado apenas se uma boa alma acender uma lanterna ou coisa do tipo, condição providenciada por Baldo, ou, “o guardião da luz”, no caso.
     Por outro lado, não se pode reclamar de solidão nos esgotos. Quando se abandona o movimento das ruas para se emaranhar nas tubulações, chega a bater o sossego, uma paz em estar perto, mas longe do caos da superfície. Tal sentimento, no entanto, escorre pelo ralo assim que o aventureiro escuta o primeiro guincho de uma ratazana e o tec-tec das patas e antenas de 10 milhões de baratas caminhando pelas paredes.
     Margô, porém, já estivera em lugares piores e mantinha-se firme. Zé, por dentro, xingava Deus e o mundo por estar lá e não tomando uma cerveja em frente à televisão, mas, se algo tinha de ser feito, ele fechava a cara por trás do bigode e não fugia da responsabilidade. Baldo, ser da noite, adorava pouca luz e escuridão. Por isso, estava bem nos esgotos, exceto pelo cheiro de cocô e...
     SPLASH!
     Sumiu. Baldo foi sugado pela água suja e desapareceu em um milésimo de segundo, sem tempo para que os companheiros pudessem evitar.
     - Não pise ai! Deve ter um buraco! - gritou Zé, segurando o braço de Margô, que no reflexo avançou em direção ao local onde Baldo sumira.
     - Ariobaldo!!! - berrou a doutora, ecoando o nome do amigo na tubulação. Em vão.
     A lanterna, que estava nas mãos do desaparecido, girou no ar, iluminando feito um globo de festa as paredes do esgoto. Antes que o instrumento mergulhasse nas águas e apagasse de vez, Rimo abriu o bico e agarrou-o firme, como o melhor dos goleiros. O pássaro negro, barrigudinho, que nunca abandonava o dono, batia as asas desesperado à procura de um ombro amigo. O feixe de luz incidia direto sobre os rostos dos outros dois, cujas expressões indicavam que ambos não tinham a menor ideia do que fazer.

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